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quinta-feira, 19 de setembro de 2024

Família de Légua

 Família de Légua

"Me convidaram pro engenho

Chegando lá tinha cana pra moer 

Ô bota cana pra moer 

A família de légua quer beber 

Ô bota cana pra moer 

A família de légua quer beber 

Eu vou beber cachaça 

Mas não vou cair no chão 

Eu vou beber cachaça 

Mas não vou cair no chão 

A macumba só é boa 

É na eira do Maranhão 

Ê Maranhão ê Maranhão 

A macumba boa é no Maranhão

É na eira do Maranhão” 


Todos que já participaram de uma Gira de Jurema em algum momento ouviram e cantaram esse ponto ou pontos que falam sobre a família de Légua, mas acredito que poucos já pararam para pesquisar sobre a história dessa família muito popular do norte do Brasil.

Em muitos pontos sobre a família é comum dizerem ter vindo beirando o mar ou igarapés, mas isso muito possivelmente se refere a sua chegada no Brasil, pois conforme as histórias os integrantes dessa família foram para São Luís no Maranhao e se alojaram em Codó, que é uma cidade situada no cerrado, na bacia do Rio Itapecuru.

Codó é uma localidade reconhecida por seus terreiros, por ser uma região quilombola muito ligada ao Terecô, pelo Tambor da Mata e Tambor de Mina. Os cultos são relacionados com manifestações de Caboclos e Boiadeiros e para eles as entidades da família de Légua segundo a lenda da região de Codó são chamadas de "encantados". Ou seja, seres que teriam vivido na Terra e não morreram, mas se encantaram, tornaram- se invisíveis.

Uma das famílias mais importantes desse grupo é a de Légua Boji Buá da Trindade, também chamado de José Légua Boji Buá da Trindade. Ele é muito alegre, brincalhão e apreciador de bebidas. Essa família se subdivide por aproximadamente 72 falanges e é formada pelos pais de Légua de Boji Buá, sua esposa, irmãos e sobrinhos. Além de um grande número de filhos e netos, por isso frequentemente se escuta que “A família de Légua está toda na eira”. A Família de Légua é composta por membros determinados, fortes e alegres, são trabalhadores do Labor e quando chegavam da roça iam cantar, dançar e vibrar, o que passava uma imagem de que nunca se cansavam e estavam sempre em festa.

Quando se canta para essa família, é comum ver entidades colocarem chapéus e entoarem pontos sobre bois e outros animais do campo, pois a sua história é relacionada à mata e à lida com os elementos do mundo rural. As manifestações dessas falanges não são muito comuns na Umbanda, quando se manifestam normalmente ocorrem junto dos Caboclos e Boiadeiros, mas também podem vir junto dos Exus ou Príncipes na Jurema, sempre sendo muito respeitados. 

Quando se diz que o Caboclo “brada” mais alto, afirma-se que aquela categoria de entidade é de Boiadeiros, homens e mulheres que lidam com o Gado, costumam gritar como se estivessem dobrando gado no campo. Segundo histórias, Légua tem seu nome ligado às memórias do tempo do cativeiro como protetor dos escravos e seu defensor nas lutas espirituais ou materiais travados com os senhores. Os negros viviam roubando gado para comer e quando o dono dava por falta do boi, começava logo a bater neles, nas senzalas. Um dia um negro estava sendo castigado, invocou a proteção de Légua e este fez com que o senhor visse o boi no Curral e parasse de castigá-lo. Este episódio explicaria o porquê várias doutrinas e pontos cantados de Légua falarem sobre boi.

Outra curiosidade é que o nome da família continua muito presente nas festividades de Bumba-meu-boi no Maranhão Considerado a mais importante manifestação da cultura popular do estado, e que tem seu ciclo festivo dividido em quatro etapas: os ensaios, o batismo, as apresentações públicas e a morte. Durante suas manifestações nos terreiros, as entidades pedem que sejam colocados bois na festa, dando detalhes de como precisam ser e até nome aos bois, como, por exemplo, o boi de seu Légua. O sentido da obrigação para com as entidades espirituais é vivenciado com respeito, fé e muita devoção.

A relação dos guias com a brincadeira é tão forte, que pode ocorrer, inclusive, dos próprios comporem as toadas de Bumba-meu-boi e entregar aos responsáveis para serem cantadas. Há casos, ainda, em que as toadas são compostas e cantadas pelas entidades espirituais, o que ocorre quando se trata de bois restritos aos Terreiros.

As entidades das falanges de Légua geralmente usam chapéu Panamá ou de couro, recebem oferendas e festas, gostam de vinho tinto, cerveja e cachaça, fumam charutos, cigarros, cachimbos. Usam lenços estampados, hora amarrados na cabeça por debaixo do chapéu, hora passado pelos ombros e por vez feito laços no braço e adoram Santa Barbara, com sua maior devoção e quando estão em terra sempre sorrindo muito, dançando e sempre estão alegres, lembrando que isso faz parte do arquétipo da falange, mas não significa que obrigatoriamente todos serão assim.

A família nos ajuda a crescer diariamente e perceber a importância que temos e que independente dos percalços do caminho, devemos levar uma vida com mais simplicidade, mais alegria, mais vibrante e que nunca percamos a devoção e fé.

Renata de Iansã




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