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segunda-feira, 27 de janeiro de 2025

Instrumentos usados no culto da Jurema Sagrada | Fumo e Fumaça

 Instrumentos usados no culto da Jurema Sagrada | Fumo e Fumaça

Tendo a árvore da Jurema Preta como base central de seu culto, ela é colocada como fundamento religioso, onde, ao mesmo tempo que é elemento essencial de preparo da bebida sagrada, é também membro mitológico que compõe o mundo encantado dos reinos da Jurema. Antes da denominação, o culto já existia.

Os povos originários, praticando sua ancestralidade, o contato com o mundo espiritual, só era possível diante a ritualística desenvolvida pelos antigos, que com a junção de instrumentos, rezos, danças e ervas, que foram fundamentadas dentro do trabalho, repassaram aos mais novos.

“Indígenas catequizados com um missionário franciscano e dois soldados.” Fotografia da Década de 1860. Coleção Teresa Cristina. Acervo da Biblioteca Nacional.

Durante o período colonial, invasores portugueses tiveram contato com gente de diversas etnias, línguas e costumes, tomando nota desses, foi-se percebido que mesmo diante as particularidades de cada povo, estes pareciam ter o mesmo trato ritualístico e cultural para com uma planta de poder, que está presente até hoje nos costumes indígenas e caboclos, o tabaco.

A prática atrelada ao tabaco, ficou conhecida como “catimbó”, palavra que tem origem no Tupi Antigo (ka’atimbór) e que na língua portuguesa significa “fumaça de mato”. Essa expressão faz referência às antigas defumações com ervas e suas diversas finalidades, como trabalhos de cura e evocação de espíritos, que eram realizados pelos pajés. Hoje, a prática do catimbó, também é chamada de fumaçada.

Folhas de tabaco em processo de seca.

Na história dos Kariri (povo que, na época da catequização, resistiu e não se converteu, preservando a tradição) conta-se um mito de origem e que também nomeia a entidade que faz morada no tabaco, chamada de Badzé, o grande pai, deus do fumo e civilizador do mundo. Junto com Poditã, filho maior, que ensinou aos indígenas a reconhecer os frutos, caçar animais, dançar, cantar e a fazer os rituais de pajelanças, e Warakidzã, filho menor, reconhecido como senhor do sonho, formavam a Trindade sagrada desse povo.


Badzé, em alguns de seus ensinamentos, instruiu os Kariri a cura com o sopro, palavras, rezos e cantigas; fazer vinho e sua ritualística pra saudar Poditã, práticas essas, que nos remetem aos costumes que, hoje, reconhecemos como influência dos povos originários dentro do culto a Jurema Sagrada.



Festa do Mestre João do Laço – Terreiro de Jurema do Mestre João do Laço – Três Rios/RJ, com sua diversidade de referências religiosas no altar



Tendo impacto direto do catolicismo, também houve religiões africanas, que trabalham de forma parecida com o tabaco em suas ritualísticas, e é necessário pontuarmos que não há ligação entre Jurema, com Orixás, Ifá, Candomblé ou Nigéria. A influência africana é pautada pelas suas relações com os povos originários daqui, no contexto da escravidão, onde compartilhavam e absorviam saberes, adaptando o culto trazido de sua terra, pra realidade que viviam. “O negro foi aprendendo o culto do índio, e o índio foi aprendendo o culto do negro”, como comenta Anderson Magalhães, juremeiro de Alagoas, numa reportagem do portal BARAÔ!. Dessa forma, conseguimos identificar elementos do catolicismo popular, de raiz africana e também indígena, na construção do culto á Jurema Sagrada que conhecemos hoje.

Tendo o tabaco como principal ingrediente, o fumo do juremeiro é composto de diversas ervas, que são escolhidas levando em consideração as propriedades das mesmas e o porquê do uso da mistura; tudo com fundamento, desde o preparo dos materiais, durante, até o momento da utilização, onde a intenção clara, o direcionamento, a firmeza da mente e o cachimbo correto, se entrelaçam pro bom andamento dos trabalhos. E é nesse contexto, que conseguimos também entender a necessidade desses instrumentos (tanto o fumo, quanto o cachimbo) serem individuais de cada praticante e cada entidade, já que há uma imantação grande de energia entre quem faz o uso e os objetos, criando uma conexão entre eles.

Festa do Mestre João do Laço – Terreiro de Jurema do Mestre João do Laço – Três Rios/RJ, com sua diversidade de referências religiosas no altar


Do aroma das ervas e fumo queimado, resulta uma fumaça densa e poderosa, que abre portas, chama os espíritos ancestrais, protege seus devotos, cura, limpa, mostra conhecimento e, revela o que a normalidade dos olhos não consegue enxergar, a ciência da Jurema. Assim, ela levanta e derruba; manda recados, tira o véu da nossa vista, alcançando lugares inimagináveis, esquecidos do mundo e da mente, auxiliando no trabalho físico e principalmente espiritual, estreitando o elo com os mestres e entidades dos reinos. 

É na fumaça do cachimbo que o mestre trabalha, dá seu recado e ensina sua ciência. É nela que ele se comunica e auxilia no nosso desenvolvimento humano. Sem cachimbo, sem maracá, sem fumo e sem fumaça, não há Jurema. E pra encerrar, um rito de louvação ao cachimbo: 

Terreiro de Jurema do Mestre João do Laço – Três Rios/RJ

Só fuma cachimbo … Oi quem sabe fumar


Só manda demanda … Quem sabe mandar


Só fuma cachimbo … Oi quem sabe fumar


Só manda fumaça … Quem sabe mandar


Eu já mandei vê … Mandei buscar

Vai-te fumaça … Pra onde eu mandar


Eu mandei vê … Já bati com pé

Vai-te fumaça … Pra onde eu quiser


Meu cachimbo tá no toco … Já mandei nego buscar

Naquele bole bole … Meu cachimbo ficou lá.


Mestre Pau de Ferro encostado no juremeiro Vado, no II Encontro de Juremeiros e Juremeiras de Alhandra, em 2015.


Salve a força da Jurema Sagrada! Saravá os Mestres! Saravá os reis Malunguinho!


Laura de LogunEdé



















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