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segunda-feira, 28 de julho de 2025

Amigo Leal

 Amigo Leal

A falange dos Boiadeiros na Umbanda de Jurema é composta por espíritos que fazem parte das mulheres e homens vaqueiros, laçadores e peões, aqueles que carregam uma alma de coro porque assim se vestem. Carregam consigo uma força imensurável, pois, quando em terra, passavam por muitas dificuldades, dores e desafios. Esses espíritos lidavam com a fauna e a flora com respeito e amor, possuíam grandes laços com a terra e dominavam a arte de domar e guiar os animais mais bravos e difíceis do campo. Sendo assim, são conhecidos por conseguirem trazer harmonia até para as questões mais complicadas e improváveis que nos tiram a paz.

Precisamos pensar que, da mesma maneira que nos foi ensinado que nem todo Preto Velho foi um negro escravizado, nem todo Boiadeiro foi de fato um trabalhador do campo. Os espíritos que trabalham nessa falange precisam trazer, antes da experiência com o trabalho no campo de fato, uma energia vigorosa para diluir energias de baixa vibração, necessitam ter pulso firme, coragem para enfrentar os desafios, força para vencer cada obstáculo e, principalmente, força de vontade e lealdade. É com essas características que os Boiadeiros trazem seu axé para os terreiros de Umbanda, pois auxiliam sem medo cada um que os procura, trabalhando a coragem e acendendo outra vez a chama do movimento e da ação em cada umbandista. Mesmo sendo bravos, de aparência agressiva e valente, são generosos e pacientes, são guias que trabalham sempre o equilíbrio e nos protegem sempre de presenças obsessivas, da mesma forma que guardam a boiada no campo. São espíritos humildes, típicos do sertão brasileiro, seu dialeto é característico de pessoas do campo, mas não conversam muito, são breves e diretos no que dizem. 

Um bom boiadeiro, que conduz sua boiada com excelência, conhece cada boi ali presente. Percebem que uns são menos arredios, outros são calmos, alguns mais bravos e chegam a ser até traiçoeiros, por isso sempre lida com cada boi de acordo com seu gênio e personalidade. Feito essa analogia, quero trazer que esses guias conhecem a natureza de cada um de nós, nossas qualidades e defeitos e, por esse motivo, vão lidar e fazer diferentes trabalhos com cada filho. Assim, em algumas consultas será necessário que haja o estalar dos chicotes para que a gente caminhe e se mova em direção ao caminho certo, já em outras, apenas uma conversa e um conselho de um amigo leal já é suficiente para trocar a direção da boiada.

Quando pensamos em seus trabalhos dentro da Umbanda de Jurema, a Linha dos Boiadeiros é sustentada por duas forças principais: Ogum, que traz a força de um bravo guerreiro para esses espíritos, que vão utilizar dessa força para guardar e proteger o que de fato é da Lei Maior, trazendo o equilíbrio. E Mãe Iansã traz em seus ventos a força da mudança, é quem vai possibilitar o movimento das energias, quem vai trazer consciência para os espíritos com baixa vibração, reequilibrando os bois que se perderam no caminho. Assim, os Boiadeiros trabalham não só com os encarnados, mas também com os que já desencarnaram, recolhendo e encaminhando os espíritos para seus caminhos merecidos. Mesmo que seja uma boiada grande, um boiadeiro nunca deixa nenhum boi para trás, sempre que um foge ou se perde no caminho, ele se encarrega de colocar os demais em um lugar seguro e volta para guiar o que se perdeu, sendo sempre leal aos seus.

Seus instrumentos de trabalho principais são: as cordas, que simbolizam o laçar do mal e a movimentação de toda energia trabalhada; e os itens de couro como chapéu, cinto, calças, que trazem a força do animal e são utilizados como proteção. Suas oferendas são feitas em campinas, pastos, currais, porteiras e estradas de terra. Comumente é oferendado: bebidas como sucos de frutas cítricas, cachaça e o vinho, cigarros de palha, pratos como feijão tropeiro, mocotó, arroz carreteiro, costela de boi e carne seca, algumas frutas como laranja, carambola, uva. Suas cores, normalmente, são vermelho, amarelo, azul escuro e marrom. A saudação é “Marrumbá Xetro, Xetruá”. Pesquisando um pouco, “Marruá” significa boi bravo, um novilho que ainda não foi domesticado. Em línguas africanas, pode também ser vista como uma palavra Banto: Maunga, que significa entidade que protege algo ou alguém por afeição e carinho. “Xetro e Xetruá”, dentro da Língua Banto, “Xe” seria uma saudação e “Tuá” significa brilhoso/luminoso, assim podemos

entender como uma saudação à entidade de luz.

Que os Boiadeiros, junto com Pai Ogum e Mãe Iansã, tragam perseverança, coragem e destemidez. Que eles nos ensinem sempre a sermos leais com o próximo e, principalmente, com nós mesmos, e que nos lembrem, constantemente, a nunca descer do cavalo, carregando sempre a força de quem controla e guia toda a boiada.

Salve toda a falange dos Boiadeiros! Xetruá!

Isabela de Iansã

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