Fatalidade
No capítulo X do Livro III dos Espíritos, Kardec aborda a fatalidade e para elucidar o tema faz 17 perguntas aos espíritos da verdade, abaixo abordaremos cada uma dessas perguntas separadamente. Ao fim faremos uma reflexão sobre as perguntas quanto a ótica umbandista.
851. Haverá fatalidade nos acontecimentos da vida? Todos os acontecimentos são predeterminados? E, neste caso, o que é o livre-arbítrio?
Para esta primeira pergunta o espírito responde que a fatalidade existe somente pela escolha que o espírito fez, ao encarnar, desta ou daquela prova para sofrer. Escolhendo, instituiu para si uma espécie de destino, que é consequência da maneira de como se encontra. Isso quanto às provas físicas, pois quanto às provas morais e tentações, o espírito, conforme seu livre-arbítrio, é sempre responsável por ceder ou resistir. Ao vê-lo fraquejar, um bom espírito pode vir em auxílio, mas não pode influir sofre ele de maneira a dominar a sua vontade. Um espírito mau pode influenciá-lo negativamente. No entanto, o espírito é livre para tomar as suas decisões conforme o livre arbítrio.
852. Há pessoas que parecem perseguidas por uma fatalidade, independente da maneira por que procedem. Não lhes estará no destino o infortúnio?
Para esta pergunta o espírito responde que talvez a má-sorte e o infortúnio sejam provas que eles devam passar e que eles escolheram antes de encarnar. Pensando desta forma estamos terceirizando o fracasso que quase sempre é devido ao seus próprios atos e escolhas. Tenha consciência de que os males que te afligem e isso já lhe servirá de consolo. A maneira de como entendemos cada coisa, de forma correta ou errada, nos levam a ser bem ou mal sucedidos conforme com nosso caráter e posição social. Achamos mais confortável e menos humilhante explicarmos o fracasso com a sorte ou o destino do que às nossas próprias falhas. A influência dos espíritos também contribui para isso, confere a nós a responsabilidade de nos blindar quando más ideias.
853. Algumas pessoas só escapam de um perigo mortal para cair em outro. Parece que não podiam escapar da morte. Não há nisso fatalidade?
O espírito responde que fatal somente a morte é, não podendo fugir dela quando chegar o momento.
a. Assim, qualquer que seja o perigo que nos ameace, se a hora da morte ainda não chegou, não morreremos?
O espírito responde que não morrerá antes do momento correto e existem milhares de exemplos disso. Quando porém for a hora, não poderá impedir. Deus sabe como será a morte do homem e muitas vezes seu espírito também o sabe, devido isso ter sido revelado, quando escolheu essa ou aquela existência.
854. Sendo a hora da morte irreversível, poder-se-á deduzir que sejam inúteis as precauções que tomemos para evitá-la?
O espírito responde que não, pois as precauções nos são sugeridas como ferramenta de evitarmos a morte que nos ameaça. São um dos meios empregados para que ela não se dê.
855. Com que fim nos faz a Providência correr perigos que nenhuma consequência devem ter?
O espírito responde que o fato de se colocar em risco de vida constitui um aviso que você mesmo desejou, a fim de se desviar do mal e se tornar melhor. Quando escapamos destes perigos, quando ainda estamos sob a impressão do risco que corremos, cogitamos, mais ou menos seriamente, nos melhorarmos, conforme seja mais ou menos forte a influência dos bons espíritos. Caso a influência do mau espírito for maior, passará a pensar que do mesmo modo escaparás a outros perigos e deixas que de novo tuas paixões se desencadeiam. Por meio dos perigos que corremos, Deus nos lembra da nossa fraqueza e a fragilidade da nossa existência. Se examinarmos a causa e a natureza do perigo, notamos que, quase sempre, suas consequências teriam sido a punição de uma falta cometida ou da negligência no cumprimento de um dever. Deus, por essa forma, faz o espírito a cair em si e a se emendar.
856. Sabe o Espírito antecipadamente de que gênero será sua morte?
A resposta do espírito da verdade é que o espírito sabe que o tipo de vida que escolheu o expõe mais a um tipo de morte do que de outro tipo. Sabe também quais as lutas que terá de sustentar para evitar e que, se Deus permitir, não sucumbirá.
857. Há homens que afrontam os perigos dos combates, persuadidos, de certo modo, de que a hora não lhes chegou. Haverá algum fundamento para essa confiança?
O espírito responde que frequentemente o homem tem o pressentimento de seu fim, assim como pode ter o de que não morrerá. Esse pressentimento vem dos espíritos seus protetores, que assim o advertem para que esteja pronto a partir, ou lhe fortalecem a coragem nos momentos em que mais dela necessita. Pode vir-lhe também da intuição que tem da existência que escolheu, ou da missão que aceitou e que sabe ter que cumprir.
858. Por que razão os que pressentem a morte a temem geralmente menos do que os outros?
A resposta é que quem teme a morte é o homem, não o espírito. Aquele que a pressente pensa mais como espírito do que como homem. Compreende que a morte é na verdade a libertação para seu estado original, de espírito, e que a espere.
859. Com todos os acidentes, que nos sobrevêm no curso da vida, se dá o mesmo que com a morte, que não pode ser evitada, quando tem de ocorrer?
O espírito responde que os acidentes que temos durante a vida são coisas muito insignificantes, de modo que os espíritos nos podem prevenir deles e evitá-los algumas vezes, dirigindo o nosso pensamento, pois os sofrimentos materiais os desagradam. Isso porém nenhuma importância tem na vida que escolhemos. A fatalidade só existe no momento em que devemos aparecer e desaparecer deste mundo.
a. Haverá fatos que forçosamente devam dar-se e que os Espíritos não possam conjurar, embora o queiram?
O espírito responde que sim, mas estes foram escolhidos pelo espírito antes de encarnar. No entanto nem tudo o que acontece está escrito, como muitos dizem. Um acontecimento qualquer pode ser consequência de um ato que realizou por livre vontade, de forma que, se não tivesse realizado, não passaria por isso. Imagine que queimou o dedo. Isso nada mais é o resultado da sua imprudência e efeito da matéria. Só as grandes dores, os fatos importante capazes de influir no moral, Deus os prevê, porque são úteis a sua depuração e a sua instrução.
860. Pode o homem, pela sua vontade e por seus atos, fazer que se não dêem acontecimentos que deveriam verificar-se e reciprocamente?
O espírito responde que sim, caso essa mudança não atrapalhe a sequencia de vida e aprendizados que ele escolheu. Essas mudanças são possíveis para fazer o bem, pois esse é o objetivo da existência, é facultado impedir o mal, inclusive o mal que ele próprio pode ter dado causa total ou parcial.
861. Ao escolher a sua existência, o Espírito daquele que comete um assassínio sabia que viria a ser assassino?
O espírito responde que não. Escolhendo uma vida de lutas, sabe que terá ensejo de matar algum de seus semelhantes, mas não sabe que fará. O crime só acontece, na maioria das vezes, se antes ele se sujeitar a praticá-lo. Aquele que toma uma decisão é sempre livre para fazê-la ou não. Se soubesse previamente que, como homem, teria que cometer um crime, o espírito estaria predestinado a isso. Ninguém é predestinado ao crime e todo crime, como qualquer ato, resulta sempre da vontade e do livre arbítrio.
862. Pessoas existem que nunca tem bom êxito em coisa alguma, que parecem perseguidas por um mau gênio em todos os seus empreendimentos. Não se pode chamar a isso fatalidade?
O espírito responde: “Será uma fatalidade, se lhe quiseres dar esse nome, mas que decorre do gênero da existência escolhida. É que essas pessoas quiseram ser provadas por uma vida de decepções, a fim de exercitarem a paciência e a resignação. Entretanto, não creias seja absoluta essa fatalidade. Resulta muitas vezes do caminho falso que tais pessoas tomam, em discordância com suas inteligências e aptidões. Grandes probabilidades tem de se afogar quem pretender atravessar a nado um rio, sem saber nadar. O mesmo se dá relativamente à maioria dos acontecimentos da vida. Quase sempre obteria o homem bom êxito, se só tentasse o que estivesse em relação com as suas faculdades. O que o perde são o seu amor-próprio e a sua ambição, que o desviam da senda que lhe é própria e o fazem considerar vocação o que não passa de desejo de satisfazer a certas paixões. Fracassa por sua culpa. Mas, em vez de culpar-se a si mesmo, prefere queixar-se da sua estrela. Um, por exemplo, que seria bom operário e ganharia honestamente a vida, mete-se a ser mau poeta e morre de fome. Para todos haveria lugar no mundo, desde que cada um soubesse colocar-se no lugar que lhe compete.”
863. Os costumes sociais não obrigam muitas vezes o homem a enveredar por um caminho de preferência a outro e não se acha ele submetido à direção da opinião geral, quanto à escolha de suas ocupações? O que se chama respeito humano não constitui óbice ao exercício do livre-arbítrio?
Resposta do espírito: “São os homens e não Deus quem faz os costumes sociais. Se eles a estes se submetem, é porque lhes convêm. Tal submissão, portanto, representa um ato de livre- -arbítrio, pois que, se o quisessem, poderiam libertar-se de semelhante jugo. Por que, então, se queixam? Falece-lhes razão para acusarem os costumes sociais. A culpa de tudo devem lançá-la ao tolo amor-próprio de que vivem cheios e que os faz preferirem morrer de fome a infringi-los. Ninguém lhes leva em conta esse sacrifício feito à opinião pública, ao passo que Deus lhes levará em conta o sacrifício que fizerem de suas vaidades. Não quer isto dizer que o homem deva afrontar sem necessidade aquela opinião, como fazem alguns em quem há mais originalidade do que verdadeira filosofia. Tanto desatino há em procurar alguém ser apontado a dedo, ou considerado animal curioso, quanto acerto em descer voluntariamente e sem murmurar, desde que não possa manter-se no alto da escala.”
864. Assim como há pessoas a quem a sorte em tudo é contrária, outras parecem favorecidas por ela, pois que tudo lhes sai bem. A que atribuir isso?
O espírito responde que muitas vezes é que essas pessoas sabem conduzir melhor seus negócios, mas que isso pode também ser uma prova. Muitas vezes ocorrem muitos êxitos que são seguidos de vários revezes, disso pode ser tiradas grandes e difíceis lições.
865. Como se explica que a boa sorte favorece a algumas pessoas em circunstâncias com as quais nada têm que ver a vontade, nem a inteligência: no jogo, por exemplo?
Resposta do espírito: “Alguns Espíritos hão escolhido previamente certas espécies de prazer. A fortuna que os favorece é uma tentação. Aquele que, como homem, ganha; perde como Espírito. É uma prova para o seu orgulho e para a sua cupidez.”
866. Então, a fatalidade que parece presidir aos destinos materiais de nossa vida também é resultante do nosso livre-arbítrio?
O espírito responde que você mesmo escolheu a sua prova. Quanto mais rude ela for e melhor a suportar, mais se elevará. Os que passam a vida na abundância e na ventura humana são Espíritos fracos, que permanecem estacionários. Assim, o número dos desafortunados é muito superior ao dos felizes deste mundo, atento que os Espíritos, na sua maioria, procuram as provas que lhes sejam mais proveitosas. Eles vêem perfeitamente bem a futilidade das vossas grandezas e gozos. Acresce que a mais ditosa existência é sempre agitada, sempre perturbada, quando mais não seja, pela ausência da dor.
867. Donde vem a expressão: Nascer sob uma boa estrela?
O espírito diz que é uma antiga superstição que ligava a sorte dos homens e seus destinos as estrelas. Completa o espírito dizendo que algumas pessoas fazem a tolice de levar isso ao pé da letra.
Nestas longas e reflexivas perguntas pudemos notar que o livro dos espíritos se encaixa bem com a filosofia umbandista mais uma vez, nós umbandistas também não acreditamos em um destino imutável, mas cremos que antes de encarnarmos planejamos quais lições deveriam ser exercitadas e aprendidas durante nossa existência corpórea, mas essas lições podem ser aprendidas em diversos caminhos diferentes que vamos escolhendo durante nossa vida. Nenhuma estrela manda no seu destino, nem o orixá ou o signo te obrigam a agir de uma determinada forma. Chega de desculpas, seja o senhor do seu destino e deixe de terceirizar responsabilidades. A sorte aos olhos humanos pode ser o azar no mundo espiritual. Um ganhador de um prêmio milionário da loteria pode desfrutar ao máximo os prazeres da carne, mas será que isso o engrandecerá espiritualmente?! Muito dificilmente. Tome as rédeas de sua própria vida, tome conta da sua encruzilhada.
Axé
Ricardo de Ogum Matinata
Nenhum comentário:
Postar um comentário