Pesquisar

quinta-feira, 2 de janeiro de 2025

O Cruzeiro Mestre

 O Cruzeiro Mestre

No presente texto será tratado sobre o Cruzeiro Mestre, símbolo muito utilizado pelos catimbozeiros mais velhos em seus ritos na Jurema Sagrada. Com o conhecimento repassado pelo antigos, cultuavam sua ancestralidade de forma que essa sobreviveu e vive até os dias de hoje, concretizando a ritualística ali trabalhada. 
O cruzeiro mestre é uma representação de todos os antigos mestres que foram enterrados em um local e, pelo ritual seguido da passagem, caracterizaram aquele solo sagrado para os adeptos que seguem e acreditam na ciência trazida e dominada por eles.

Túmulo de Mestre Flósculo em Alhandra (PB)

A partir do momento em que as grandes navegações promovidas pela Espanha chegam no “Novo Mundo”, trazendo consigo padres, missionários e congregações para colonizar e catequizar aqueles que se encontravam “perdidos” religiosamente na região, o catolicismo se encontrou com a Jurema, e deu-se sua influência no rito. Por causa dessa interseção, encontramos hoje, benzedores, rezadores e até mesmo as entidades do próprio culto, que carregam particularidades que remetem ao catolicismo popular, como o uso de terços, cruzes e imagens de santos católicos, por exemplo.

Imagem de cruz pro Cruzeiro Mestre, em madeira

Um dos símbolos mais importantes para a igreja católica é o “castiçal de três bocas com as três velas acesas”. Há relatos que este foi trazido para o Brasil através de padres jesuítas, sendo utilizado em várias ocasiões. É interessante entrelaçarmos tal objeto com o culto da Jurema, já que com a influência da igreja católica, encontramos indícios da utilização deste símbolo naquela época e até os dias atuais dentro da ritualística do catimbó. Entende-se que o castiçal foi adaptado nos rituais, já depois da miscigenação, através justamente daqueles que ficaram e perpetuaram o conhecimento ancestral. 

O castiçal na igreja católica possui um significado de fé do povo, além de contar com a utilização das velas, dando apoio para que ilumine a fé e a força trazidos pelos adeptos da religião, na Jurema Sagrada o significado é diferente.

Castiçal de três bocas

Focado na representatividade dos três guardiões generais do culto, cada um desses tem a responsabilidade de guardar as chaves da grande ciência da Jurema Sagrada. Esses três estão diretamente ligados à força elementar da natureza, e com energias específicas ligadas ao carnal e ao espiritual, possuem a função de zelar pelos maiores segredos e ciências mantidas dentro do culto. Entende-se que todo o conhecimento adquirido através da Jurema, passa por eles.

Cada um dos guardiões possui um elemento e característica perante o cruzeiro, sendo o primeiro, com a vela centralizada na direita, representando as matas; o segundo é representado pela ciência, com a vela centralizada no meio; e o último, representando a alma, com a vela à esquerda. 

Existe uma cantiga antiga que se refere ao cruzeiro mestre e os guardiões, vejamos: 

“Pelejei tou pelejando como gavião no ar.... (2x)

São três velas acesas, são três castiçais, 

três moças de branco, 

e três Generais... (2)”


De maneira parecida, também é utilizado o terço e a reverência para santos, fazendo referência a influência católica, como São Sebastião e Santo Antônio, ou comumente falado como Santo Antônio Pequenino. O cruzeiro, também é utilizado em acomodações, e até mesmo nas mesas de consagração.

Existem relatos de antigos que participavam do culto da jurema, dizendo que: um juremeiro quando desencarnava, tinha uma semente de jurema plantada e o símbolo do Cruzeiro Mestre colocado em cima de seu túmulo pra identificar que ali teria um mestre aterrado. Bem como existem outros relatos do tipo, também dizendo que naquele local, juremeiros no plano físico faziam rituais, pois a terra se tornava sagrada para os adeptos.

Membros da Casa das Matas do Reis Malunguinho celebrando o primeiro reacendimento da fogueira do São João do Acais. 16 de junho de 2019. Foto de Henrique Genecy.

A cidade dos Mestres e Mestras Reis, da Jurema Sagrada no Acais

Observando a pajelança indígena, onde estes tinham locais específicos para aterrar seus ancestrais, e mantinham a sacralidade da terra em respeito ao corpo e conhecimento dos que se foram pro outro plano, conseguimos ver claramente a influência dos povos originários, nessa ritualística do catimbó. 


Entendendo historicamente o contexto do Cruzeiro Mestre no culto, conseguimos compreender a importância da sua liturgia nas antigas rodas de Jurema e, a necessidade deles no nosso presente. Encerramos nosso texto com um rezo cheio de conhecimento:

Corre Corre Cruzeiro Mestre

De azul e branco

Com as estrelinhas

Corre Corre Cruzeiro Mestre

De azul e branco

Com as estrelinhas


Vocês não sabem

Nem as conhecem

Elas vêm do reino de outro mundo

Vocês não sabem

Nem as conhecem

Elas vêm do reino de outro mundo


E há um rio lá

Eu vou mandar parar


Ela foi moça

Foi menina

Foi mulher de cabaré

Ela foi moça

Foi menina

Foi mulher de cabaré


Passa noite nas esquinas

Procurando quem lhe quer

Passa noite nas esquinas

Procurando quem lhe quer


E há um rio lá

Eu vou mandar parar


Salve a Jurema Sagrada, salve o Cruzeiro Mestre, saravá os Mestres!!!

Lívia de Obaluaê












 

Nenhum comentário:

Postar um comentário