Nanã: a criação do homem
Nanã é a ancestral que reina entre a lama e os pântanos, carrega em sua lenda o mistério da vida e da morte, há um itã particularmente poderoso que nos revela essa força criadora: o relato de que ela ofereceu o barro primordial para que Oxalá moldasse o homem.
No início de todas as coisas, diz-se, Oxalá tentou criar a humanidade com diversos materiais: vento, madeira, pedra, até mesmo óleo, mas nada se moldava ao seu intento. Então veio Nanã, senhora das águas paradas e da terra úmida, e do fundo de seu lago trouxe o barro perfeito. Daquela matéria, o divino Olorum sopraria vida e assim foi o homem foi criado. Mas, por ter sido feito do barro de Nanã, o ser humano também estava destinado a retornar à terra: morte e nascimento entrelaçados, ciclo que somente ela pode regar com sua sabedoria ancestral.
Esse itã sintetiza a transcendência de Nanã: ela não é apenas o início, mas também o fim e, sobretudo, o elo que liga ambos com serenidade e profundidade emocionada. Na Umbanda, ela é reverenciada como a “avó sagrada”, aquela mãe primordial que conduz os mistérios e cuida das transições entre os planos. Seu símbolo, o ibiri, bastão confeccionado com nervuras de palmeira decoradas com búzios, serve para afastar eguns e energias negativas, e para demarcar seu espaço sagrado nas giras e nos assentamentos.
Mas Nanã, como matriarca da sabedoria, também estabeleceu fronteiras simbólicas. Há outro itã, tão curioso quanto este primeiro: conta-se que ela jamais aceitou a soberania de Ogum, senhor dos metais, exigindo que nenhum objeto metálico fosse utilizado em seu culto, nem facas, nem ferramentas. A eficácia de seu poder, segundo o mito, não depende de instrumentos forjados, mas da força primigênia da natureza.
Nanã nos lembra que a origem e o destino partilham a mesma massa, somos barro, somos lama e, por isso, somos finitos. Mas quem nos banha nos mistérios do existir, quem nos convida à pausa, à moderação e ao respeito aos ciclos, é ela.
Renata de Iansã
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