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segunda-feira, 17 de março de 2025

Catolicismo Popular | Recorte Social e Sincretismo na Umbanda

 Catolicismo Popular | Recorte Social e Sincretismo na Umbanda

Interesse das classes dominantes, à fonte de esperança e resistência das classes populares. É nessa ambiguidade que trazemos o catolicismo popular e seus recortes sociais, quanto grande influência dentro da nossa religião, a Umbanda. 

No vasto universo que repousa tradições familiares, mistérios, histórias que buscam desvendar o sentido da morte e conectar ao objetivo da vida, encontramos a mistura racial de três principais culturas. Os indígenas, povo originário, com ricos costumes, trazendo conhecimentos de plantas medicinais, os perigos e segredos da terra e do oculto. Os africanos, com um variado lastro cultural, que se expressava especialmente através de suas danças e batuques ritmados, além da culinária, que nem o sofrimento da escravização, os faziam esquecer, e os brancos europeus, colonizadores.





Essa fusão entre povos, se dava independente da ideia de superioridade dos portugueses. Era de forma espontânea, abrangendo vários âmbitos como moradia, alimentação, crenças religiosas e o cotidiano como um todo. Nesse contexto, acontecia simultaneamente a catequização dos citados.

No início da colonização, os europeus que vieram pra cá, não eram diretamente ligados a figuras eclesiásticas, tinham bruxas, feiticeiros, cabalistas e também praticantes do catolicismo popular, o que mudou com o passar do tempo. Iniciada com os indígenas, onde grupos de freis e padres vinham ensinar suas doutrinas formais e que, diante da resistência destes, acabaram tendo suas tribos e povos dizimados, seguiu-se a catequização também com o povo africano que, trazido escravizado, manteve o culto às suas divindades de forma oculta ou, percebendo a forma violenta que os diferentes ritos eram tratados, adaptou-os aos santos da igreja católica, como forma de resistência, poupando suas vidas, ocorrendo assim, a chamada sincretização.




A ideia de supremacia branca, que não aceitava outro tipo de religião, de comportamento, vestimenta e nada que fosse contrário aos hábitos europeus da época, foi se escalando num ponto em que esses povos começaram a perder sua identidade. O povo preto começou a ser usado como agente de ligação entre indígenas e a Igreja, que os enxertava com a cultura dos brancos. E assim, mesmo não concordando, esses povos começaram a encarar esse tratamento como único meio de ascender a escala social da época, compactuando com tais atos, para a sua sobrevivência, mas não deixando suas tradições pra trás. 

Sua fé foi se moldando com o que havia de disponível e nos lugares onde lhes eram permitidos ocupar. A maioria vivendo em regiões rurais, analfabetos e longe de matrizes religiosas (lugar frequentado por pessoas abonadas), foram aprendendo orações através da oralidade; ouvindo os senhores, aliando aos conhecimentos ancestrais, saberes antigos que somado aos elementos da natureza, devoção aos santos católicos, passaram a ser inseridos nesses rituais. Sobrevivendo à margem da sociedade, foi assim que estruturaram suas crenças, e essa prática é conhecida como catolicismo popular.




Numa vivência familiar com os oratórios, capelas e santuários, nas partes mais bucólicas por aí, a devoção, as novenas, romarias e padroeiros, davam sentido à vida. É a devoção, a fé pura, sem nenhuma intervenção da institucionalidade. Simples. É uma âncora que exerce uma função vital pro povo que vive no trabalho pesado, na labuta diária pela sobrevivência. Essas manifestações religiosas estão inseridas em um rico mundo de saberes e práticas que são vividas e cultuadas, até hoje, pelas classes populares. 

Dentro de um terreiro, vemos semelhanças entre o contexto acima para com entidades; com os pretos velhos, por exemplo, espíritos de negros escravizados que trabalham em terra, em sua maioria, com rosários, rezas católicas, fumos e ervas; e também os próprios visitantes, que buscam curar suas mazelas e aprender com os mais antigos e que, principalmente no início das casas de axé, eram em maior número, de pessoas pretas e marginalizadas. Hoje, vivendo a Umbanda, percebemos a grande influência do catolicismo popular na nossa religião, que não oprime nem recrimina o povo, mas acolhe com sua linguagem metafórica e sacramental, dito ser “com muita reza e pouca missa; muito santo e pouco padre.”.





Essa contextualização e os recortes apresentados são importantes pontos a serem relembrados de tempos em tempos. A Umbanda é uma religião preta, estruturada em cima de muita violência, resistência e opressão, que foi ressignificada com o auxílio da espiritualidade e, mesmo que em vários momentos tenha seu percurso desviado, acomodado, há de se voltar pro caminho. A historicidade é de suma importância pra construção da nossa fé, da nossa prática e doutrina, principalmente no nosso culto. O conhecimento e respeito para com os ancestrais da nossa terra e suas vivências, são necessários para que fortaleçam os laços e consigamos perpetuar seus ensinamentos, melhorando quanto encarnados e espíritos.

Saravá os mais velhos. Saravá a nossa ancestralidade. 

Laura de LogunEdé












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